segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Cabocla Jurema


Considerada a mais popular e poderosa ritualística de Encantaria brasileira o ritual da Jurema, é no nordeste, tão popular quanto o frevo e o samba no Rio de Janeiro.
Jurema (Acácia Nigra), é a árvore sagrada dos indígenas brasileiros há milênios. Nela concentram-se todos os valores fitoterápicos e místicos de um ritual que de uma certa forma, influenciou todos os demais no Brasil inteiro. Dezenas de encantados e mestres espirituais do ritual da Jurema povoam as “Casas de Nação” (candomblés) os quais não podem negar-lhes “espaço”. A Jurema por ser um ritual totalmente brasileiro é o único que se equipara aos seus congêneres africanos por ter sua própria Raiz e Origem. A raiz, é a árvore com suas folhas, casca e raízes – A origem é Monan, deus supremo dos Tupis, Caetés, Tabajaras, Potiguás, Tapuias, Pataxós e outras nações indígenas. Seus protetores eram (até a chegada do branco), Tupan, Yara, Caapora, Curupira, Boiúna, Boiátatá, Jaguá, Rudá, Carcará e outros mais. Eram de tribos diferentes, mas cultuavam os mesmos deuses aos pés da mesma árvore: JUREMA.

Com a miscigenação entre os indígenas e o branco e entre indígenas e o negro miscigenaram-se também, suas culturas, seus arquétipos, seus usos e costumes. Com o aparecimento “caboclo” (mestiço), apareceram também os encantados resultados desta mestiçagem. O ritual da Jurema, vulgarmente chamado de “Catimbó”, devido ao uso de cachimbos durante a prática, é cercado de preparos e cuidados especiais respeitanto-se prioritariamente a ancestralidade de cada um ou da própria raiz em torno da qual realiza-se a prática. Esta por sua vez, obedece à vínculos locatícios chamados de “cidades da jurema”, cada uma com seu nome. O ritual tanto pode ser feito sobre uma mesa com pode ser feito no chão. As forma são distintas, com objetivos as vezes diferentes.
Os ingredientes e apetrechos usados nos rituais de Jurema são os seguintes:
Cachimbos confeccionados à mão de diferentes troncos de árvores Fumos feitos com folhas de tabaco misturadas com folhas de diferentes árvores (dependendo da intenção do “trabalho”) Maracá (chocalho indígena) para invocar os mestres encantados Pequenos troncos de Jurema sobre os quais acende-se velas (dependendo do número de “Cidades” as quais serão invocadas – (preferencialmente 4 cidades) Sineta de metal nobre para invocação dos Mestres - (no passado era com caxixi) 2 ou mais copos altos e largos com água Toalha vermelha ou branca se for na mesa e vermelha se for no chão.

Lenda da Jurema

Cabocla, filha valente de Tupinambá. Adotada pelo mundo, foi encontrada aos pés do arbusto da planta encantada que lhe deu o nome, e cresceu forte, bonita, com a formosura da noite e a firmeza do dia. Corajosa, a cabocla tornou-se a primeira guerreira mulher da tribo, pois a sua força e agilidade no manejo das armas e na ciência da mata, se tornara uma lenda por todo o continente; onde contadores de estórias, aos pés da fogueira, falavam da índia da pena dourada, que era a própria Mãe Divina encarnada. 


Nada causava medo na cabocla, até o dia em que ela encontrou o seu maior adversário: o amor. Jurema se apaixonou por um caboclo chamado Huascar, de uma tribo inimiga chamada Filhos do Sol, e que fora preso numa batalha. 

Os dias se passaram e o amor aumentava, pois o pior de amar não é amar sozinho e sim ser amado em retorno, pois exige do amado, uma ação em prol do amor. 

Pelo olhar, o caboclo Huascar dizia: 

"Oh doce Cabocla 
meu doce de cambucá 
minha flor cheirosa de alfazema 
tem pena deste caboclo 
o que eu te peço é tão pouco 
minha linda cabocla Jurema 
tem pena desse sofredor 
que o mal destino condenou 
me liberta dessa algema 
me tira desse dilema 
minha linda cabocla Jurema" 

Jurema que aprendera a resistir ao canto do boto, ao veneno da cascavel e da armadeira, já resistira bravamente a centenas de emboscadas e que sentia o cheiro à distância de ciladas, não conseguiu resistir ao amor que fluia do seu peito por aquele guerreiro. Observando o caboclo preso, ela viu nos olhos dele, as mil vidas que eles passaram juntos, viu seus filhos, o amor que os unia além da carne e percebeu que não foi por acaso, que ele fora o único caboclo capturado vivo, e decidiu libertá-lo, mesmo sabendo que seria expulsa da sua tribo. 

Na fuga, seu próprio povo a perseguiu, e em meio a chuva de flechas voando na direção do caboclo fugitivo, foi Jurema que caiu, salvando o seu amado e recebendo a ponta da morte que era pra ele, no seu próprio peito. 

Conta a lenda, que o caboclo Huascar voltou a Terra do Sol e fundou um império nas montanhas andinas e mandou erguer um templo chamado Matchu Pitchu em homenagem a Jurema, onde, só as mulheres da tribo habitariam e lá aprenderiam a ser guerreiras como a mulher que salvara a sua vida. E no lugar onde a Jurema caiu, nasceu uma planta robusta e muito resistente que dá flor o ano inteiro, cujo formato exótico e o tom amarelo-alaranjado intenso chamou atenção de todas as tribos, pois tudo dessa planta poderia ser utilizado, desde as sementes, até as flores e o caule; e porque as flores dessa planta estão sempre viradas para o astro maior; ela ficou conhecida como girassol.

Pesquisador. Diego Bragança de Moura - Historiador da ACALUZ
Por. Adriano Figueiredo Leite - Presidente da ACALUZ
Referências de Pesquisa:
Arquvios da ACALUZ e 
http://ensinodearuanda.blogspot.com.br/2012/10/lenda-cabocla-jurema.html

Caboclo Tupinambá





O termo Tupinambá provavelmente significa "o mais antigo" ou "o primeiro", e se refere tanto a uma grande nação de índios, da qual faziam parte, dentre outros, os tamóios , os temiminós , os tupiniquins , os potiguara , os tabajaras , os caetés , os amoipiras , os tupinás (tupinaê), os aricobés  e um grupo também chamado de Tupinambás.

Os Tupinambás como nação dominavam quase todo o litoral brasileiro e possuíam uma língua comum, que teve sua gramática organizada pelos jesuítas e passou a ser conhecida como o tupi antigo , sendo a língua raiz da língua geral paulista  e do nheengatu . Entretanto, normalmente, quando se fala em tupinambás está-se a referir às tribos que fizeram parte da Confederação dos Tamoios , cujo objectivo era lutar contra os portugueses, também conhecidos como perós .
Apesar de terem raízes comuns, as diversas tribos que compunham a nação Tupinambá lutavam constantemente entre si, movidas por um intenso desejo de vingança que resultava sempre em guerras sangrentas em que os prisioneiros eram capturados para serem devorados em rituais antropofágicos .
Em todas as tribos tupinambás era comum a observância aos heróis civilizadores, como chama Alfred Métraux  em seu livro A Religião dos Tupinambás, que eram divindades que haviam criado ou dado início à civilização indígena (Meire Humane e Pae Zomé  - mito ameríndio comum em toda a América Meridional). Também era comum a intercessão junto aos espíritos dos pajés , o uso dos maracás , chocalhos místicos cujo uso era obrigatório em qualquer cerimônia.
Atualmente existem dois núcleos de índios Tupinambá, no litoral da Bahia: Olivença, município de Ilhéus , com 20 aldeias e 3864 indígenas; e a aldeia Patiburi, município de Belmonte , com 199 pessoas.
Os tupinambás da Região Sudeste do Brasil tinham um vasto território, que se estendia desde o rio Juqueriquerê , em São Sebastião  / Caraguatatuba , no Estado de São Paulo , até o cabo de São Tomé , no estado do Rio de Janeiro .
O grosso da nação tupinambá localizava-se na baía da Guanabara  e em Cabo Frio , ou Gecay, o nome da mistura de sal e pimenta que os índios, embora não consumindo o sal, vendiam aos franceses, com os quais se aliaram quando estes estabeleceram a colônia da França Antártica  na baía de Guanabara.
As tentativas de escravização dos índios para servirem nos engenhos de cana-de-açúcar  no núcleo vicentino, levaram à união das tribos numa confederação sob o comando de Cunhambebe , chamada de Confederação dos Tamoios , englobando todas as aldeias tupinambás, desde São Paulo, Vale do Rio Paraíba  (São José dos Campos , Taubaté  e outras) até o cabo de São Tomé, com invejável poderio de guerra.
É neste ínterim que Nóbrega  e Anchieta  teriam sido levados por José Adorno de barco até Iperoig  (atual Ubatuba ), para tentar fazer as pazes. Segundo a tradição, Nóbrega voltou até São Vicente  com Cunhambebe  e o Padre José de Anchieta ficou cativo dos tupinambás em Ubatuba. Neste período, ele teria escrito o Poema da Virgem. Fatos lendários e fantásticos teriam ocorrido nesta época do cativeiro, como o milagre de Anchieta: levitar entre os índios, que horrorizados, queriam que ele dalí se retirasse pois pensavam tratar-se de um feiticeiro.
Seja como for, os padres com muita diplomacia, conseguiram desmantelar a Confederação dos Tamoios, promovendo a Paz de Iperoig , o Primeiro Tratado de Paz das Américas. Diz-se que depois de feitas as pazes, Nóbrega advertiu os índios de que, se voltassem atrás na palavra 
empenhada, seriam todos destruídos, o que de fato ocorreu. Quando os portugueses atacaram os franceses do Rio de Janeiro, estes pediram ajuda aos índios, que de fato acudiram a seus aliados. Isto levou ao extermínio dos tupinambás que moravam em aldeias em torno da Baía da Guanabara, na segunda metade do século XVI . Os que conseguiram se salvar foram os que se embrenharam nos matos com alguns franceses e os índios tupinambás de Ubatuba que, para não ajudarem e não correrem riscos, ou se embrenharam nos matos ou foram assimilados pelos colonos em Ubatuba, gerando a atual população caiçara  daquela região assim como a população cabocla do Vale do Paraíba Paulista e Fluminense.
Contudo, o golpe fatal ao fim dos tupinambás, foi o ataque ao último reduto francês em Cabo Frio, com a destruição de todas as aldeias. Tudo destruído com fogo e passado ao "fio da espada". Os sobreviventes ou se embrenharam nos matos e migraram para outras regiões ou alguns poucos ainda, no final do século XVI, podiam ser encontrados numa aldeia de índios cristãos próxima da então recém-fundada cidade do Rio de Janeiro, local onde morreu e foi enterrado o Padre Nóbrega.
Por esses motivos e por algumas declarações que denotariam em tese conivência com o extermínio indígena, é que o Padre José de Anchieta tem sido considerado muito polêmico até os dias atuais, embora noutras oportunidades, tenha declarado que se dava melhor com os Índios do que com os portugueses. Afinal, os padres jesuítas  tinham a boa intenção e boa-fé de angariar novas almas para a Igreja, no movimento conhecido como Contra-Reforma, haja vista a Reforma que havia se iniciado e espalhado pela Europa .

Pesquisador. Diego Bragança de Moura
Por. Adriano Figueiredo Leite - Presidente da ACALUZ
Fonte. Arquivos da ACALUZ.

sábado, 17 de novembro de 2012

Encantaria maranhense: um encontro do negro, do índio e do branco na cultura afro-brasileira


           

No Maranhão, algumas denominações mais antigas e conhecidas da religião afro-brasileira, como a Mina Jeje e a Mina Nagô (da capital), têm origem africana bem conhecida. Outras, como o Terecô ou Tambor da Mata (de Codó) e o Tambor de Curador (de Cururupu), mais afastadas dos modelos jeje e nagô e mais associadas a práticas terapêuticas, têm sido apresentadas por pesquisadores e devotos como "cultura negra" sincrética de origem banto, ou como "cultura indígena" assimilada pela população negra, sincretizada por ela com a religião de origem africana e com o catolicismo.

Apesar das comunidades dos terreiros pesquisados por nós em São Luís, Codó e Cururupu serem constituídas principalmente por negros, a religião encontrada neles não pode ser vista, pura e simplesmente, como sobrevivência religiosa africana. Embora todos eles procurem preservar tradições africanas recebidas de seus fundadores, incorporam, em grau variado, muitos elementos de outras tradições culturais e, na tentativa de adaptação a novas exigências, reelaboram o seu sistema original.

No Maranhão, o termo encantado é utilizado nos terreiros de mina, tanto nos fundados por africanos, como a Casa das Minas, quanto nos mais novos e sincréticos, e é também utilizado nos salões de curadores e pajés. Refere-se a seres espirituais africanos (voduns e orixás) e não africanos, recebidos em transe mediúnico nos terreiros, que não podem ser observados diretamente, mas que se afirma poderem ser vistos, ouvidos em sonho ou por pessoas dotadas de poderes especiais, e podem ser observados por todos, quando incorporados.

Os encantados não africanos, que têm sido objeto de nossa atenção especial desde 1984, são conhecidos na comunidade religiosa como seres humanos que tiveram vida terrena e que, há muitos anos, desapareceram misteriosamente e/ou tornaram-se invisíveis (encantaram-se).

Nos terreiros maranhenses os encantados são freqüentemente comparados aos "anjos de guarda". São protetores dos homens ("pecadores"), dotados de poderes especiais, que estão abaixo de Deus e dos santos. Mas, ao contrário dos "anjos de guarda", podem castigar severamente seus protegidos. Afirma-se, em São Luís, que eles nunca levam propriamente as pessoas ao mal, embora possam levá-las a comportamentos desaprovados socialmente, pois muitos são alcoólatras, violentos, irreverentes e, quando incorporados, podem beber muito, brigar ou tomar atitudes inconvenientes, o que geralmente ocorre depois dos rituais.

Apesar do termo encantado ser mais usado em terreiros maranhenses para designar entidades espirituais não africanas, fala-se freqüentemente que os voduns pertencem à encantaria africana e que as entidades espirituais não africanas, que são recebidas nos terreiros da capital e do interior, pertencem à encantaria brasileira ou à maranhense. Assim, quando falamos em "encantaria maranhense" não estamos nos referindo a voduns e a orixás, às divindades africanas amplamente conhecidas. Estamos nos referindo a outras entidades espirituais recebidas no Maranhão em terreiros fundados por africanos ou por seus descendentes: nobres europeus associados a orixás e/ou a santos católicos (como Dom Luís, Rei de França), entidades caboclas de origem nobre (como Rei da Turquia e Antônio Luís, o "Corre Beirada"), ou representante de camadas populares e indígenas (como o controvertido Légua Bogi e Caboclo Velho), e também a seres não inteiramente humanos (como as mães d’água, os Surrupiras, os botos e outros) de quem nos ocuparemos um pouco mais nesse trabalho.

O "povo-do-santo" do Maranhão não fala muito com estranhos sobre encantados, mas, quando está reunido ou diante de pessoas que também entram em comunicação com eles, costuma contar muitas histórias em que eles são personagens principais. E, não raramente, quando entrevistado por pesquisadores, costuma narrar episódios fantásticos, ocorridos consigo ou com pessoas de seu relacionamento, para ilustrar ou reforçar o seu pensamento (FERRETTI, M. 1993). Como ocorre em outros domínios da cultura tradicional, a maioria dessas histórias faz parte da herança cultural legada por seus antepassados e não se pode precisar, com segurança, a origem e a época em que foram produzidas. Mas, apesar de antigas e de repassadas geralmente por via oral, essas histórias continuam sendo ouvidas e apreciadas pelo povo maranhense, o que indica que se adequam aos seus valores e à sua visão de mundo.

A análise de histórias de encantados recebidos em terreiros maranhenses mostra que alguns deles foram transformados por ação mágica em outro ser, geralmente num animal (como a princesa Rosalina e outras que foram encantadas em cobra). Essa transformação pode ter sido involuntária e ser por eles sentida como uma espécie de prisão (como ocorre geralmente nas histórias de princesas encantadas). Mas pode ser também uma estratégia utilizada por eles, enquanto seres dotados de poderes especiais, para fugir a perigos e vencer obstáculos (como aparece na história do Almirante Balão, ancestral dos turcos, que se encantou num veado branco), ou para proteger pessoas e lugares mágicos (como aparece em uma das versões da história de Rosalina)(2).

Embora em alguns terreiros da capital maranhense as entidades espirituais não africanas mais antigas sejam também, às vezes, conhecidos por "voduns" ou "vodunsos" (termo que designa divindades africanas), nem toda entidade espiritual recebida nos terreiros do Maranhão é denominada "vodun". Geralmente excluem-se dessa categoria entidades espirituais que surgiram mais recentemente na Mina ou que estão ligadas à mitologia indígena e à mitologia cabocla do Norte do Brasil, como a Mãe d´Água, os Botos e Surrupiras que, segundo afirma-se, no passado eram recebidas apenas por pajés e em salões de curadores e que teriam entrado na Mina em terreiros abertos por curadores.(3)

Os encantados não africanos, embora agrupados em famílias (tal como os voduns), são geralmente classificados como pertencendo às matas, a água doce, a água salgada e muito raramente ao astral, espaço que se considera habitado pelos espíritos que baixam na "mesa branca" (ou nas seções espiritas). Embora se afirme que os encantados tiveram vida terrena, não costumam ser confundidos com espíritos dos mortos que "baixam" na "mesa branca" (sessão espírita) ou "eguns" pois, além de terem vivido na Terra em um tempo muito afastado de nós, desapareceram misteriosamente e, até certo ponto, venceram a morte, como se afirma do Rei Sebastião.

As histórias de encantados, como também as letras das músicas recolhidas em terreiros de São Luís, são cheias de referências a lugares de encantaria, onde se acredita que eles habitam: pedra, árvore, poço, rio, baia, praia, ilha e outros. Alguns desses lugares são localizáveis em mapas geográficos e em cartas náuticas do Maranhão e do Pará, como as praias dos Lençóis, de São José de Ribamar, do Olho d´Água; a Ilha dos Caranguejos; a Pedra do Itacolomi e o Boqueirão. Outros são conhecidos pelo povo da região como o pequizeiro da mulata, em Cururupu. Mas alguns dos lugares que são referidos nas histórias de encantados parecem desconhecidos, como é o caso da Mata do Gangá, onde reinam os Surrupiras.

A nossa pesquisa em terreiros de São Luís, Codó e Cururupu tem mostrado que a as histórias relativas a entidades espirituais não africanas que são recebidas em transe mediúnico naqueles terreiros apresentam elementos de mitos africanos (como a de Maria Bárbara, criada por Mãe Maria, que lembra a de Iansã) e mitos amazônicos (como os de Mãe d´Água, botos e Curupiras). São também influenciadas pala biografia de santos católicos (como a de Santa Bárbara, uma das matrizes da história de Maria Barbara), pelas literaturas européia e brasileira, popularizadas pelo folclore (como a "História do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França", que tem vários turcos como personagens). (4)

Mãe d´Água, Surrupiras e outros seres da encantaria maranhense.

Nos salões de curadores e em alguns terreiros de Mina da capital maranhense, onde são realizados, também, rituais de Cura (pajelança), o termo mãe d´água designa freqüentemente o conjunto de entidades espirituais caboclas recebidas por um pajé ou curador, que são também classificadas como linha de água doce. Designa também entidades femininas metade peixe e metade mulher, encantadas em poços e em rios, recebidas no Tambor de Curador ou rituais de Cura/Pajelança realizados em terreiros de Mina.

A Mãe d´Água é representada iconograficamente nos terreiros maranhenses de forma semelhante a Iemanjá, orixá das águas salgadas, que é representada nos terreiros de Umbanda e cultos afro-brasileiros como uma sereia do mar. No Maranhão acredita-se que a Mãe d´Água (sereia de água doce) exerce um magnetismo sobre as "crianças inocentes", de até 7 anos, principalmente sobre as que não foram batizadas, pois ela é pagã. Desse modo, no interior ou na área rural, quando uma criança pequena desaparece, suspeita-se logo da Mãe d´Água e, na cidade, quando uma criança que ainda não foi batizada tem pesadelo ou convulsão, aparece sempre alguém que, interpretando o problema como "investida" de Mãe d´Água, procura batizá-la, de emergência, com a água do banho.

Existe no Tambor de Mina, na encantaria de água salgada, uma versão masculina da sereia, o Dom Miguel, Rei da Gama, entidade espiritual encantada em um peixe - espadarte ou tubarão. Dom Miguel, que é descrito como metade homem e metade peixe, lembra o Netuno da mitologia romana e é apresentado por Pai Jorge, do Terreiro de Iemanjá (São Luís), como filho de Xangô. Nesse terreiro ele é sincretizado com São Miguel Arcanjo, daí porque sua festa é realizada no dia 28 de setembro.

Os Surrupiras são entidades espirituais da Mina maranhense a cuja ação se atribui o desaparecimento de muitas pessoas que moram perto do mato (da floresta). O Surrupira, que para alguns é o Curupira da mitologia tupi, pode também fazer as pessoas perderem a direção nos caminhos e se embrenharem em mata de espinho, pois os Surrupiras têm grande atração por eles, talvez porque moram nos tucunzeiros, palmeiras cujas folhas são cheias de espinhos. Fala-se também que, ao contrário da Mãe d´Água, os Surrupiras não gostam de água e, quando incorporados, se afastam rapidamente se alguém jogar água nos pés do médium. Em alguns terreiros de São Luís os Surrupiras são recebidos como selvagens, pulando e uivando, mas em outros vêm como caboclos, civilizados, e até comandando terreiro de Mina. Talvez por isso foram muitas vezes afastados da "guma", fato que ficou registrado nos versos de musica cantada em muitos terreiros da capital: "imba fora Surrupira".

Os botos, como os Surrupiras, são encantados antigos da Mina. Há notícia da sua presença na Casa de Nagô (LIMA, 1981), onde são também recebidos encantados da família do Rei da Turquia, o Ferrabrás de Alexandria da conhecida História do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França. Os botos já foram numerosos no Tambor de Mina, mas hoje são raros e de difícil identificação. Afirma-se que surgiram no terreiro do Egito, que existiu em São Luís próximo ao porto do Itaqui, de onde muitos avistaram o navio encantado de Dom João (OLIVEIRA, 1989). São entidades muito ligadas aos marinheiros da tripulação daquele navio, daí porque alguns afirmam que são marinheiros encantados. Foram numerosos também no extinto terreiro do Engenho e hoje dão uma passagem no terreiro de Iemanjá (que, como o primeiro, é oriundo do terreiro do Egito), no dia 13 de dezembro, quando é realizada festa naquela casa. Os botos são também conhecidos na Mina do Maranhão como "linha do Pará".

Não sabemos se os botos que baixam na Mina podem aparecer como homens e seduzir mulheres, como os das lendas amazônicas. Mas ouvimos falar, em São Luís, que uma mulher no interior teve um filho com uma "mãe d´água" que veio a ter com ela em sua própria casa. O menino viveu pouco tempo. Disseram que foi levado pelo pai. A mãe, depois que ele nasceu, durante muitos dias, ficava quase desmaiada todo fim de tarde, como se o seu espírito tivesse ausente. Mas depois voltava.

No terreiro de Iemanjá os botos "descem" e "sobem" em conjunto e dançam cambaleando, sem "doutrinar" (puxar cantos) e sem falar com a assistência. Mas, na Mina, os botos podem vir também como um caboclo, conversando, bebendo e brincando, como o que responde por Aluísio, que costuma aparecer em festas do Espírito Santo, incorporado em pessoa amiga do festeiro, que pertencia ao já extinto terreiro do Engenho. Segundo informação da falecida Isabel Mineira, de Cururupu, os botos eram também recebidos no passado no terreiro de Papai César, mais antigo do que o da Turquia, que funcionava perto de onde existe hoje o Hospital Geral, no bairro da Madre Deus.(5) Segundo a mesma fonte, os botos, ali, usavam bengala, uma cartolinha e falavam "fanho" (com voz nasalada).

Considerações finais

Os exemplos apresentados mostram que, nos terreiros do Maranhão, elementos de origens diversas se integram sem maiores conflitos, daí porque aqui os discursos "levantando a bandeira" da pureza africana tendem a ser contraditórios.

No Maranhão, a integração entre religião afro-brasileira, catolicismo popular, pajelança e folclore é algo digno de nota e, embora se consiga distinguir cada um desses domínios, há inúmeras intercessões entre eles. Mesmo na Casa das Minas e na Casa de Nagô, fundadas por africanas e consideradas muito tradicionalistas, tal realidade pode ser observada. Sergio Ferretti tem mostrado, em publicações e em vídeo (FERRETTI, S. 1995), que os terreiros maranhenses realizam a "Festa do Divino" por devoção ao Espírito Santo e para homenagear uma entidade espiritual da casa (Nochê Sepazim, na Casa das Minas; Dom Luís, no Terreiro de Iemanjá). Realizam também brincadeiras de "Bumba-boi" para agradar entidades caboclas da Mina (como Preto Velho, na Casa de Nagô e na casa de Mariinha; Legua-Bogi, no Terreiro de Iemanjá), organizam "Tambor de Crioula" para homenagear o vodum Averequete, sincretizado com São Benedito, e, no dia 13 de maio, para homenagear entidades recebidas em terreiros de Mina, Mata e Cura, como: Chica Baiana (no terreiro de Lincoln) e Preto Velho de Holanda (no de Mariinha). (6)

Nos rituais de Cura (Pajelança), realizados em terreiros de Mina da capital maranhense (FERRETTI, M. 1991), mesmo quando há uma preocupação em manter separadas a Mina e a Cura, são invocadas muitas entidades que "navegam nas duas águas": doces (Cura) e salgadas (Mina) e são também invocadas entidades do Terecô (da Mata). Como exemplo de encantado antigo que vem na Cura, Mina, Terecô e, atualmente, também, na Umbanda maranhense, pode ser citado o Caboclo da Bandeira ou João da Mata. Mas, nos terreiros do Maranhão, existem também entidades que só se manifestam em uma daquelas denominações religiosas, daí porque quando surge em outra denominação uma entidade com o nome de uma daquelas se explica que elas têm o mesmo nome, mas são entidades diferentes.

* Trabalho apresentado na XXII REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA - Brasília, 15 a 19 de Julho de 2000 - no Fórum de Pesquisa 02: Brasil Imaginário, coordenado por Danielle Perin Pitta (UFPE) e Monique Augras (PUC/RJ).

2. Ver: FERRETTI, M. 1989; 1993; 1998 a; 1998b e 2000.
3. Como o curandeirismo era, e ainda é, considerado crime no Código Penal Brasileiro, afirma-se que muitos pajés e curadores tornaram-se "mineiros" para se livrarem da violenta e constante perseguição policial de que sempre foram objeto.
4. Algumas dessas histórias foram apresentadas por nós em trabalhos publicados sobre a religião afro-brasileira do Maranhão (como as dos turcos, Bárbara Soeira, Dom Luís, Mãe d´Água e outros) ou no livro Maranhão Encantado onde reunimos, alem de histórias de encantados, relatos de visões de encantarias, de chamamentos de médiuns por encantados e de castigos deles recebidos.
5. Segundo Pai Euclides, seu atual zelador, o terreiro da Turquia foi aberto em fins do século XIX (FERREIRA, 1987, p.63).
6. Sergio Ferretti tem mostrado também que muitas vezes as brincadeiras de Bumba-boi e de Tambor de Crioula foram organizadas nos terreiros para atender a pedido de encantado ou pagar promessa a um santo (São João, São Benedito e outros).


Bibliografia Consultada

FERREIRA, Euclides M. Casa de Fanti-Ashanti e seu alaxé. São Luís: Gráfica e Editora Alcântara, 1987.

FERRETTI, Mundicarmo. Rei da Turquia, o Ferrabrás de Alexandria?. A importância de um livro na mitologia do Tambor de Mina. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Meu sinal está no teu corpo: escritos sobre a religião dos orixás. São Paulo, EDICON/EDUSP, 1989, p. 202-218.

--------. Desceu na Guma: o caboclo do Tambor de Mina em um terreiro de São Luís – a Casa Fanti-Ashanti. São Luís: SIOGE, 1993 (2 ed. revista. EDUFMA, 2000).

--------. Tambor de Mina, Cura e Baião na Casa Fanti-Ashanti. São Luís: SECMA, 1991 (Disco e Folheto).

--------. Terra de Caboclo. São Luís: SECMA, 1994.

--------. Mãe d´Água: a mãe que leva e traz. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, São Luís, n.10, p.2, jun.,1998

---------. Dom Luís e São Luís em terreiros da capital maranhense. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. São Luís, nº14, p.4-5 ago.1998.

---------. Maria Bárbara raiou. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. São Luís, nº12, p.10 dez.1998.

---------. Religião e magia no Terecô de Codó (MA). In: CAROSO, C. e BACELAR, J. Faces da tradição afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: CEAO, 1999.

---------. Maranhão Encantado: encantaria maranhense e outras histórias. São Luís: Edições UEMA, 2000.

FERRETTI, S. Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Minas do Maranhão. 2 ed. rev. atual. São Luís: EDUFMA, 1996.

--------. Festas da cultura popular na religião afro-brasileira do Maranhão. (Vídeo, 17 min.). São Luís, 1995.

GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens: um estudo da vida religiosa de Itá-Baixo Amazonas. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1976.

HISTÓRIA DO IMPERADOR CARLOS MAGNO E OS DOZE PARES DE FRANÇA. Tradução de Jerônimo M. de Carvalho. Rio de Janeiro: Liv. Império, s. d. (trad. Do castelhano, seguida de: FAVIENSE, Alexandre G. Bernardo del Carpio que venceu em batalha aos doze pares de França).

LIMA, Olavo Correia. A Casa de Nagô: tradição religiosa iorubana no Maranhão. São Luís: UFMA, 1981. 44p.

MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Meu Sinal está em teu corpo: escritos sobre a religião dos orixás. São Paulo: EDICON/EDUSP, 1989.

OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e voduns nos terreiros de Mina. São Luís: VCR Produções e publicidade Ltda, 1989.

Viagem ao Maranhão – Em junho e julho de 2008 – roteiro – São Luis, Cidade de Rosário, Codó, Santa Inês, Lençóis Maranhenses.

Pesquisa: Adriano Figueiredo Leite - Presidente da ACALUZ
Historiador: Diego Bragança de Moura

domingo, 4 de novembro de 2012

De Volta as Atividades...


Olá, irmãos de fé, leitores, internautas e estudiosos.

Quem vos fala é o Presidente da ACALUZ - Adriano Figueiredo Leite, estávamos afastados por problemas pessoais, mas agora já estamos de volta com nossas atividades, e estaremos voltando com toda força possível para não mais parar... Uma coisa é certa, se eu fosse publicar todos os e-mails de nosso historiador, estaria com o Blogger completamente atualizado. É até uma ofensa grande ao nosso querido historiador... Ele me colocar na peia(palavra usada nas casas de umbanda e refere-se a castigo). Mas confesso a todos um segredo meu... Todos os dias levo puxões de orelha do Diego Bragança de Moura - Historiador da ACALUZ... Sei que nada justifica nossa ausência do blog, mas as obrigações da vida são muitas também... E espero continuar tendo muitas obrigações... Adoro trabalhar...Me faz forte. Esta semana teremos novas postagens... Preparei um tema muito bom para o retorno a Postagem que é "Família dos Encantados", explicar ponto a ponta da vida de cada um e responder a todas as perguntas enviadas via e-mail e via blogger. Espero que gostem e estudem bastante, é sempre bom adquirirmos novos conhecimentos. Espero que todos gostem das novas postagens. A família ACALUZ, espera por vocês aqui.
Por. Adriano Figueiredo Leite - Presidente da ACALUZ,

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Axé e Luz a Marajó Comercial


Graças a força da amizade entre a ACALUZ, os Orixás, e a Empresa Marajó Comercial, que está a pleno vapor de suas atividades e com apoio total de Everton Frazão, proprietário da empresa estaremos sendo patrocinados futuramente em nossas atividades... No momento estamos na fase final do acordo de cooperação... Entre as propostas do acordo estão a divulgação do Banner da Empresa em nosso Blogger, bem como, da organização de todos os eventos sociais da empresa em prol da comunidade Umbandista, Associados e Comunidade em geral... Como a Empresa tem um compromisso com o Social eles procuraram nossa diretoria para que fossemos apoiados por eles. Estamos felizes e estaremos rezando para que Oxún e Xangô, Cabocla Juliana e Banzeiro Grande, cubra esta empresa de muita prosperidade. Estaremos também a partir de agora elabroando uma agenda de atividades em nossa Associação em conjunto com a empresa Marajó Comercial. 

Os contatos da empresa seguem abaixo, quem quiser fazer uma consultorial, orçamento de materiais diversos é só ligar( Capital e interior do Estado do Pará).

End. Rua. Deodoro de Mendonça, Nº 118, Bairro: São Braz,
CEP nº 66090-150 6666 - Belém/Pa
CNPJ nº 15.240.899/0001-97, Insc. Estadual nº 153661089, Fone: (91) 3246-5202/81513585 (Tom/Wander)