terça-feira, 3 de maio de 2016

Incorporação Consciente ou Inconsciente?

A muito tempo venho sendo interpelado por alguns internautas da nossa amada Umbanda, alguns do Candomblé e outros da Mina Vodum, e a duvida é quase sempre mesma, todos querem saber qual a história/estória de quando o caboclo tinha vida, qual seu nome verdadeiro, nome de sua mãe, de seu pai, a família que pertence as cores que ele usa, o porque de terem consciência na incorporação, ou seja, porque veem e sente tudo quando o guia está incorporado. Uns dizem sentir medo até do caboclo dar consulta a consulentes por achar que ele(o médium) vai influenciar nas palavras do guia. Outros que tem medo de cantar e baiar por sentir que é ele que está ali e não o guia completamente na quele momento.
É muito comum no inicio das incorporações, quando a gente está ansioso, com medo, curioso e inseguro para saber quem são nossas entidades, como trabalharam, etc… Todos nós médiuns já passamos por isso. Quando há as incorporações o médium fica mais que atento a qualquer palavra que saia de sua boca “se é eu falando ou a entidades, o que vai acontecer agora, o que ele tá fazendo”... tudo isso faz parte do início, pois ser consciente é perfeitamente normal e não é sinal de “falta de firmeza, ou imaturidade nas incorporações, ou fraqueza do médium.
E é nessa fase onde o médium atua muito junto com a entidade, por sua participação e “interatividade” que é peculiar nesse inicio, ocorre maior incidência de uma interferência do médium, sobrepondo a da entidade.
Porém, com o passar do tempo, o médium vai ganhando confiança, vai aprendendo a ficar mais alheio das manifestações da entidades, pois para ele não terá mais mistérios e se reservará da total abstenção de qualquer tipo de interferência, inclusive de sua própria opinião do que a entidade deveria agir, falar ou conduzir numa consulta.
Muitas pessoas desistem no inicio, por não aceitar sua consciência e não conseguir trabalhar psicologicamente essa questão e achar que é ele ali e não a entidade. De não insistir e entender que as incorporações vão se firmando com o tempo. Pois nossa forma de trabalhar mediunicamente é muitíssimo diferente de Candomblé e Espiritismo. E para a Umbanda a afinidade e sintonia nas incorporações é de fato, mais demorada. E nesse processo de ajustes, equalizações e estabelecer uma sintonia satisfatória, o médium deve entender que haverá sim erros, o seu sobrepor a própria entidade, o animismo, porque faz parte desses ajustes. Por isso o médium não deve ser permitido ao estarem sob influência das entidades; beber, fumar e principalmente, dar consultas e atender o público, quando essa sintonia não se estabelecer de fato, avaliado pelo dirigente e guias chefes da casa.
Não é que não podem. É normal as entidades não darem nomes de suas falanges no inicio, pois o médium ainda não está preparado mediunicamente falando. Demora-se um tempo para estabelecer uma sincronia entre a faixa vibratória da entidade com a do médium e somente quando houver harmonia, e com menos risco de animismos por parte do médium, é que elas trazem sua falange.
Antes de tudo, cada guia que incorpora é único, cada um é um espírito em particular, com seu jeito de agir e pensar. O nome de que se utilizam é apenas um indicativo da forma que trabalham de sua linha e irradiação. Por isso podemos ter vários espíritos trabalhando com o mesmo nome, sem que sejam por isso um só espírito.
É como ser um médico, engenheiro, etc… Todos possuem um conhecimento comum, além do conhecimento individual. E isso faz com que trabalhem de forma diferente, mas seguindo a mesma linha geral. A mesma coisa acontece com nossos guias, então é comum escutar:
– Como é o Caboclo X?
– Me conte a estória do Preto Velho Y
– Como é o ponto riscado do Exú Z?
Isso pode ocasionar vários problemas no início do desenvolvimento, o médium lê uma descrição de que o Caboclo Y fuma. E ele fica com “isso” na cabeça, assim que chega ao momento de trabalhar com o seu guia o Caboclo Y (também) ele pede um charuto, e a partir daí fica mais difícil de romper essa barreira anímica criada pelo médium.
Ou então o médium lê que o Exu Z quando incorpora ajoelha no chão, aí pensa, “nossa o que eu incorporo não ajoelha!” e começa a se sentir inseguro quanto a manifestação do seu guia, podendo com isso atrapalhar o seu desenvolvimento.
Pra resumir, a melhor forma de conhecer seu guia e através do tempo, do desenvolvimento e do trabalho com ele, assim pouco a pouco você vai se acostumando e aprendendo a lidar com os medos e duvidas, e aprendendo de como ele é, como gosta de trabalhar, etc.

Médiuns Conscientes:                    
Pode-se dizer que um médium consciente é aquele que durante o transcurso do fenômeno tem consciência plena do que está ocorrendo. O Espírito comunicante entra em contato com as irradiações perispirituais do médium, e, emitindo também suas irradiações perispirituais, forma a atmosfera fluídica capaz de permitir a transmissão de seu pensamento ao médium, que, ao captá-lo, transmitirá com as suas possibilidades, em termos de capacidade intelectual, vocabulário, gestos, etc.
O médium age como se fosse um intérprete da ideia sugerida pelo Espírito, exprimindo-a conforme sua capacidade própria de entendimento.

Médiuns Semi Conscientes:
É a forma de mediunidade psicofônica em que o médium sofre uma semi-exteriorização perispirítica, permitindo que esse fenômeno ocorra.
O médium sofre uma semi-exteriorização  perispirítica em presença do Espírito comunicante, com o qual possui a devida afinidade; ou quando houve o ajustamento vibratório para que a comunicação se realizasse. Há irradiação e assimilação de fluidos emitidos pelo Espírito e pelo médium; formando a chamada atmosfera fluídica; e então ocorre a transmissão da mensagem do Espírito para o médium.
O médium vai tendo consciência do que o Espírito transmite à medida que os pensamentos daquele vão passando pelo seu cérebro, todavia o médium deverá identificar o padrão vibratório e a intencionalidade o Espírito comunicante, tolhendo-lhe qualquer possibilidade de procedimentos que firam as normas da boa disciplina mediúnica.
Ainda na forma semi-consciente, embora em menor grau que na consciente, poderá haver interferência do médium na comunicação, como repetição de frases e gestos que lhe são próprios, motivo porque necessita aprimorar sempre a faculdade, observando bem as suas reações no fenômeno, para prevenir que tais fatos sejam tomados como “mistificação”. Essa é a forma mais disseminada de mediunidade de incorporação.
Geralmente, o médium, precedendo a comunicação, sente uma frase a lhe repetir insistentemente no cérebro; e, somente após emitir essa primeira frase é que as outras surgirão. Terminada a transmissão da mensagem, muitas vezes o médium só lembra, vagamente, do que foi tratado.

Médiuns Inconscientes:
Esta forma de mediunidade de incorporação caracteriza-se pela inconsciência do médium quanto a mensagem que por seu intermédio é transmitida. Isto se verifica por se dar uma exteriorização perispiritual total do médium.
O fenômeno se dá como nas formas anteriores, somente que numa gradação mais intensa. Exteriorização perispiritual, afinização com a entidade que se comunicará, emissão e assimilação de fluidos, formação da atmosfera necessária para que a mensagem se canalize por intermédio dos órgãos do médium, são indispensáveis.
Embora inconsciente da mensagem, o médium é consciente do fenômeno que está se verificando, permanecendo, muitas vezes, junto da entidade comunicante, auxiliando-a na difícil empreitada, ou, quando tem plena confiança no Espírito que se comunica, poderá afastar-se em outras atividades.

O médium, mesmo na incorporação inconsciente, é o responsável pela boa ordem do desempenho mediúnico, porque somente com a sua aquiescência, ou com sua conivência, poderá o Espírito realizar algo.
Os Espíritos esclarecem que quando um Espírito se acha desprendido do seu corpo, quer pelo sono físico, quer pelo transe espontâneo ou provocado, e algo estiver iminente a lhe causar dano ao corpo, ele imediatamente despertará. Assim também acontecerá com o médium cuja faculdade se acha bem adestrada, mesmo estando em condições de passividade total; se o Espírito comunicante quiser lhe causar algum dano ou realizar algo que venha contra seus princípios, ele imediatamente tomará o controle do seu organismo, despertando.
Geralmente, o médium, ao recobrar sua consciência, nada ou bem pouco recordará do ocorrido ou da mensagem transmitida. Fica uma sensação vaga, comparável ao despertar de um sonho pouco nítido em que fica uma vaga impressão, mas que a pessoa não saberá afirmar com certeza do que se tratou.

Por. Adriano Figueiredo Leite - Presidente ACALUZ.
Pesquisa. Diego Bragança de Moura - Historiador da ACALUZ
http://tamboresdaalma.blogspot.com.br/2014/07/mecanismo-de-incorporacao.html  
http://umbandareligiao.blogspot.com.br/2012/12/o-significado-da-incorporacao.html 
https://casadopaibenedito.wordpress.com/mapa-do-site/estudos-sobre-umbanda/mediunidade-na-umbanda/duvidas-sobre-incorporacao/ 
XAVIER, Francisco Cândido. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. Cap. V.
PERALVA, Martins. Estudando a Mediunidade. Capítulo IX – Incorporação.

sábado, 30 de abril de 2016

O CAXIXI

O caxixi é um instrumento idiofone do tipo chocalho, de origem africana. É um pequeno cesto de palha trançada, em forma de campânula, pode ter vários tamanhos e ser simples, duplo ou triplo; a abertura é fechada por uma rodela de cabaça. Tem uma alça no vértice. Possui pedaços de acrílico, arroz,conchas ou sementes de Tinquim secas no interior para fazê-lo soar. É usado como instrumento componente das rodas de capoeira , complementar ao berimbau.

A mão direita que segura a vareta entre o polegar e o indicador, segura também o Caxixi, com o médio e o anular, Desta maneira, cada pancada da vareta sobre a corda é acompanhada pelo som seco e vegetal do Caxixi.

Nos antigos Candomblés de Caboclo, não se usava atabaques; mas, sim cabaças grandes chamadas takis e outras chamadas yá. Com o decorrer do tempo, passou-se a se utilizar o atabaque (que em Angola denomina-se ungoma).

Não se usava o agôgo; usava-se o caxixi. Também não se usava o adjá para puxar o caboclo. O caboclo vinha sempre em sua toada ou cantiga.

Eu vi o caboclo surgindo na mata virgem
Eu vi o caboclo encostado num tronco
de arvore, com seus braços cruzados, sua
pele bronzeada, suas feições de uma beleza
máscula, trazendo nos lábios um sorriso de bondade...
Seu porte varonil identificava sua coragem e o destemor de um bravo guerreiro...
Entre belos colares de sementes e conchas, ostentava uma guia cujas contas
verdes, vermelhas e brancas, simbolizavam a vibração de Oxóssi...
A tiracolo, seu bodoque ornado de búzio e um CAXIXI com sete flechas...
Eu vi o caboclo na mata...

O caxixi é um chocalho de cesto, originário da cultura bantu, que pertencente à região africana do Congo-Angola, no qual era utilizado em rituais e cerimoniais. O instrumento chegou ao Brasil, trazido por escravos.

O caxixi pode ser encontrado em tamanhos que variam de 10 a 15 centímetros de altura e cerca de 6 centímetros de diâmetro na base. Ele pode ser simples, duplo ou triplo; a abertura é fechada por uma rodela de cabaça.
#ACALUZ

Por. Adriano Figueiredo Leite - Presidente da ACALUZ
Revisão e Pesquisa: Diego Bragança de Moura - Historiador da ACALUZ
Pesquisa Site do https://www.wikipedia.org/ 
http://www.todosinstrumentosmusicais.com.br/conheca-o-instrumento-caxixi.html   

sábado, 9 de abril de 2016

Noche Navezuarina, Minha Rainha!

No dia 07 de Abril de 2016, foi minha saída de Vodun Noche Navezuarina, festa muito odara, com participação ilustres de pessoas do Santo, do Vodun, da Umbanda. Cheios de Axé e de Prosperidade Mais uma vez obrigado a todos, em especial ao Historiador da ACALUZ, Diego Bragança de Moura e sua esposa, que se doaram para minha obrigação todos os dias que passei recolhido, sem reclamar do cansaço e do trabalho todo, Renan Alves que também foi incansável no apoio, a Luiza Vitória que todos os dias cuidava das coisas do terreiro para que tudo saísse corretamente, ao meu Pai de Santo, Òyá Mèssúbò que não mediu esforços para tudo sair perfeito, meu Pai Pequeno(Padrinho) Odé Tawandacy - Eldy Costa, e Minha Mãe Pequena(Madrinha) Bolota, sempre atenciosos e carinhosos com tudo que faziam durante minha obrigação, minha irmã Yalorixá Omy Lewancy - Andrea Leite que se mudou para casa do pai de santo para ajudar em tudo relacionado ao dia da festa. Meu muito Obrigado a todos que ajudaram direta e indiretamente. Que Noche Navezuarina possa abençoar a todos com Muito Axé e Muita Luz.
 Eu descansando antes de iniciar os fundamentos
 Tecendo minhas contas
 Cumprindo Preceito
 Paulo e Eu
 Saída da Navezuarina no Salão
 Meu Padrinho Odé Tawandacy, Minhã Mãe Maria e Minha Irmã Omy Lewancy
 Família ACALUZ - Diego, Renan, Odé Tawandacy e Deyse
 Meu Filhos e Padrinho Indiretos - Deyse e Diego
 Baba Oyá Mèssúbò e os Pai Ogãs Alabês 
 Meu Padrinho Odé Tawandacy e minha Madrinha Bolota(Apelido Carinhoso)
 Meu Pai Òyá Mèssúbò e Mãe Dofanitinha da Oxum 

sexta-feira, 18 de março de 2016

Mina Vodun

Os dias se passaram, as dúvidas que existiam não existem mais, tudo pronto, tudo preparado para a tão esperada Obrigação da Mina, feliz estou em poder participar deste ato que irá somar em minha vida, trazendo esperanças para aquele que buscam a melhoria em sua vida, assim como eu. Muito caminho trilhado até aqui, mas com a certeza do dever cumprido. A cada dia uma renovação de energia, serão sete dias de muito axé e prosperidade. Gostaria de dividir minha alegria com todos os meus filhos de Santo, Associados, parceiros e amigos que juntos fizeram uma corrente de união para que tudo desce certo. Em nome de Minha Mãe Navezuarina eu agradeço cada um de vocês que contribuíram e estão contribuindo para este glorioso evento de fé e glórias: Meu Pai de Santo Òyá Mèssúbò -Nonato Silva - Babalorixá de Candomblé Ketu, Diego Bragança de Logun Edé, Deyse Suellem de Oxalá, Dyonatha de Oxum, Renan Alves de Oxalá, Herminio Bragança de Omolú, Wenerson Morais de Oxum, Carlos André(Dedeco) de Omolú, Maria Figueiredo - minha mãe genitora de Oxum, Minha Irmã de sangue Andrea Leite - Omy Lewancy - Yalorixá de Candomblé Ketu, Meu Padrinho de Vodun Eldy Costa - Odé Tawandacy - Babalorixá de Candomblé Nagô, Minha Madrinha de Vodun Mãe Eli de Toy Dossú, Minha Avó de Santo Mãe Dofanitinha de Oxum, minha amiga e Mãe de Santo Vodun Mina Ruth, Minha mãe e amiga Norma Coutinho, Fernando Coutinho, Luiz Coutinho, Nayane Coutinho, Diego Portal, Vanete Pereira, Deyse Pereira, Socorro Dantas, Afonso Oliveira, meu muito obrigado a todos pelo apoio. Que Navê derrame bençãos de vitórias na vida de todos. 

Convite do Evento: 
A ACALUZ – Associação Cultural Axé e Luz, em nome do Ìlè Asé Baba Ìzò Oyá Mèssúgbò, Nonato Silva, tem a honra de convidar a todos os amigos, irmãos e simpatizantes da amada Religião, para participarem da Obrigação de Adriano Figueiredo na Nação Mina Vodun.
Data: 07/04/2016 – 18h00.
End. Passagem Garrincha, entre São Benedito e Gastão, Sacramenta. Belém, Pará - Brasil.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Mulheres no Tambor de Mina


 1. INTRODUÇÃO
A importância da mulher na religião afro-brasileira tem sido afirmada e demonstrada por muitos pesquisadores, mas há uma carência de estudos sobre a representação do feminino nas diversas manifestações da religião afro-brasileira: Candomblé, Umbanda, Batuque, Xangô, Tambor de Mina e outras. Neste trabalho pretendemos examinar a posição da mulher e das entidades espirituais femininas no Tambor de Mina do Maranhão e fazer uma análise de alguns rituais realizados em terreiros de São Luís, para entidades femininas, procurando ver como a mulher (ou o feminino) é representada naqueles rituais(1).

2. A MULHER NO TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO
No Tambor de Mina - manifestação da religião afro-brasileira típica do Maranhão e predominante no Norte do Brasil - a mulher é maioria, tanto como médium de incorporação quanto na chefia dos terreiros. Esta posição, apesar de maior nos terreiros antigos (que vêm do século passado) é também observada em terreiros mais novos, onde a Mina costuma coexistir com outros sistemas religiosos como: Cura ou Pajelança, Mesa Branca (kardecista), Umbanda e o Candomblé.
Em São Luís, nos terreiros mais antigos, homem não costuma entrar em transe e, quando recebe uma entidade espiritual, não dança tambor. Por essa razão, nunca assume a chefia do terreiro, o que justifica a afirmação da existência de um matriarcado no Tambor de Mina. Embora tenha havido no Maranhão, no século passado e no início do nosso século, alguns pais-de-santo que prepararam mães de terreiros importantes, só as mulheres são lembradas como "pilares" do Tambor de Mina - é difícil alguém contar a história da Mina sem lembrar os nomes de: Andresa, da Casa das Minas, Dudu, da Casa de Nagô, Anastácia, do Terreiro da Turquia, Vó Severa, Nhá Alice, Maximiana e de tantas outras mães-de-santo.
A partir dos anos cinqüenta, houve, em São Luís, uma proliferação de terreiros abertos por homens (geralmente já integrados no campo religioso afro-maranhense, como curador/ pajé), mas, mesmo nos terreiros abertos por eles, a mulher tem maioria e ocupa posições de destaque. Embora não seja ali a mãe-de-santo, é, geralmente, a guia ou mãe-pequena e a contra-guia (a segunda e terceira pessoa da casa). Na Casa Fanti-Ashanti (terreiro aberto em 1958 por Pai Euclides, já conhecido como curador, e que introduziu ali, em 1980, o Candomblé), todas as posições hierárquicas logo abaixo do pai-de-santo são ocupadas por mulheres e, quando realizamos ali nosso trabalho de campo (1984-1987), 90% dos participantes dos toques de Mina e 80% dos participantes do Candomblé eram do sexo feminino (FERRETTI,M.R., 1993).
A posição das entidades espirituais femininas nos terreiros de Mina da capital maranhense parece, no entanto, inferior à das masculinas, sejam elas vodum, orixá, gentil (nobre associado a orixá) ou caboclo. Além delas serem numericamente inferiores e de, geralmente, permanecerem "em terra" por menos tempo que as masculinas, as entidades femininas não são recebidas em todos os rituais, e poucas são "donas" de terreiro ou da cabeça dos filhos-de-santo. Na Mina, a maioria das entidades espirituais recebidas como "donas da cabeça" ou guia-chefe (seu representante na linha de caboclo), pertence ao sexo masculino e, raramente, um terreiro tem como chefe espiritual uma entidade feminina. Embora o nome dos terreiros nem sempre reflita suas crenças e valores atuais, parece significativo que, num levantamento de terreiros maranhenses realizado por Maria do Rosário e Manuel Santos (SANTOS e SANTOS NETO, 1989), enquanto 60% dos terreiros de Mina da capital eram dirigidos por mães-de-santo, menos de 20% dos que têm nome de santo ou de entidade espiritual tinham nomes femininos (Iemanjá, Rainha Rosa, Chica Baiana, Maria Bogi, Cabocla Ita, Nossa Senhora da Guia, Santa Bárbara).
Na Casa das Minas-Jeje (terreiro considerado o mais antigo do Maranhão), embora o transe com vodum feminino tenha a mesma duração e ocorra nos mesmos rituais em que ocorre o das entidades masculinas, atualmente, só Abê está sendo recebida, o que significa que, atualmente, mais de 90% das vodunsis da casa entram em transe com vodum masculino (Dossu, Lepon, Averequete, Jotim, e outros). No passado, no entanto, eram também recebidas ali, pelas vodunsis-gonjai (com iniciação completa) as tobôssis - entidades femininas infantis (meninas) que, embora não fossem "donas da cabeça", eram recebidas, com orgulho, fora do "toque", nas festas e obrigações grandes. 
Na Casa de Nagô (fundada por africanas, no século passado, como a Casa das Minas-Jeje, onde se recebem orixás, voduns, gentis e caboclos) embora não haja uma festa ou ritual só para entidades femininas, elas são incorporadas, principalmente, na festa de Santa Bárbara e na Bancada (ritual realizado na quarta-feira de cinzas, onde há grande distribuição de doces e frutas, de que nos ocuparemos mais adiante, neste trabalho). Na Casa de Nagô, embora as entidades femininas e os gentis participem dos toques, nunca ficam "em terra" até o encerramento dos rituais. Depois de algum tempo, costumam "dar passagem" a uma entidade masculina e cabocla, prática também observada em outros terreiros.

Em diversos terreiros de São Luís, costuma ocorrer uma festa só para entidades femininas, freqüentemente denominadas tobôssas, realizada, geralmente, no aniversário da "senhora" do pai ou mãe-de-santo, ou no dia de uma santa do catolicismo a ela associada: Santana (associada a Vó Missã ou Nanã), Santa Bárbara (a Maria Bárbara Soeira, a Iansã e outras), Nossa Senhora da Conceição (a Mãe Maria e a Iemanjá), Santa Luzia (a linha de princesas da Cura/Pajelança), e outras. Nestes terreiros, as festas e os rituais para as tobôssas são, geralmente, muito dispendiosos, pois envolvem luxo, delicadeza e sofisticação - "coisas finas", de classe alta, e distribuição de alimentos. Entre estes rituais, merecem destaque: a Bancada e o Tambor das tobôssas, realizados em muitos terreiros de Mina da capital, onde o feminino e o infantil estão muito associados.

3. BANCADA E TAMBOR DAS TOBÔSSAS ("SENHORAS") (2)
O termo Bancada designa, no Tambor de Mina, rituais realizados na Casa das Minas-Jeje, na Casa de Nagô (terreiros de São Luís fundados por africanos) e em terreiros nelas inspirados, na quarta-feira de cinzas, onde há grande distribuição de frutas, doces, bebidas, pipocas e outros alimentos, a pessoas ligadas à religião ou ao pessoal a ela devotado. Estes alimentos, antes de serem distribuídos, permanecem por várias horas no quarto de santo e sua preparação envolve a observância de muitos preceitos. Na Mina-Jeje, a distribuição é feita pelas filhas-de-santo em transe com voduns masculinos ou femininos e inclui, obrigatoriamente, pipoca, "azogri" - farinha de milho torrado misturada com açúcar, coco e feijão torrados (FERRETTI,S.F., 1985 e 1991). Na Casa de Nagô, a Bancada é realizada pelas filhas-de-santo incorporadas com entidade espiritual feminina (adulta ou menina, como a Princesa Mira e Diana) ou com entidade masculina (vodum, como Xapanã, gentil, como Dom João, e caboclo, como Tabajara). 
Em outros terreiros de São Luís, a Bancada costuma ser realizada apenas com entidades femininas, de preferência com as nobres (rainhas e princesas) e, embora possa ocorrer na quarta-feira de cinzas, realiza-se mais freqüentemente: 1) no primeiro dia do ano (quando muitos terreiros no Brasil festejam Iemanjá); 2) no dia 31 de maio ou em outra data de festejo de Nossa Senhora no calendário católico, como 8 de dezembro (festa de N. Sra. da Conceição, associada por uns a Iemanjá e por outros a Mãe Maria, e a Oxum); 3) em festa de santa do catolicismo (Bárbara, Luzia, Rosa de Lima e outras). Nestes terreiros a Bancada é realizada, preferentemente, no aniversário da principal entidade feminina da casa (geralmente, a "senhora" do pai ou da mãe-de-santo), quando se rende também homenagem às "senhoras" das filhas-de-santo. 

3.1. Bancada na casa de Santana (São Luís/MA - zona rural)
Na casa de Santana, a Bancada é realizada no aniversário de Rainha Madalena, no dia 31 de maio. Mas, no dia 12 de dezembro de 1993, realizou-se ali uma Bancada para a "senhora" de Dona Nenem - filha-de-santo de um terreiro já desaparecido (de Mãe Irinéia), que está "encostada" ali desde 1969(3). Dona Nenem trabalha na Coliseu, empresa encarregada da limpeza urbana de São Luís, e zela pelo Terreiro da Turquia com Pai Euclides (da Casa Fanti-Ashanti) - que assumiu a chefia la casa após o falecimento de sua fundadora. Embora Pai Euclides e Dona Nenem não sejam filhos da Turquia são ligados a ele por receberem encantados da família do Rei da Turquia - seu chefe espiritual.

Santana é uma das muitas mães e pais-de-santo de São Luís que não se definem como Umbanda e que continuam resistindo ao fascínio do Candomblé, embora não tenham vinculação com as centenárias casas das Minas e de Nagô, e tenham iniciado sua carreira como "curador" (na linha de Cura/ Pajelança). Apesar de ter, há muito, se tornado "mineira", continua realizando festas e rituais de Cura/Pajelança. Como outros pais-de-santo de São Luís que começaram a trabalhar como curador, realiza também, em sua residência, sessões de "mesa-branca" (presidida por pessoa a ela ligada) e, no sítio, onde fica sediado seu terreiro, a tradicional festa do Espírito Santo. Além de muito conhecida em São Luís como mãe-de-santo e "curadeira", é muito procurada como bordadeira. Santana passa muitas horas do dia e da noite na máquina de costura bordando, em "Richelieu", as toalhas usadas na guma (barracão) por pessoas de sua casa e de muitos outros terreiros da capital e do interior do Maranhão(4). 
Segundo informação de Santana (mãe-de-santo), a "senhora" de Dona Nenem, que nunca "arreara" na Mina, veio nela na Casa Fanti-Ashanti, quando assistia a um candomblé. Como ela não gosta muito de Candomblé, resolveu dar sua obrigação na Mina, no terreiro onde é "encostada". Escolheu para madrinha Dona Celeste, da Casa das Minas-Jeje, de quem é muito amiga e que se responsabilizou pelo bolo confeitado e pelas lembranças distribuídas aos convidados (uma cestinha de flores). Para diferençar aquela Bancada da que é realizada ali no mês de maio, na festa de Rainha Madalena, com todas as dançantes usando saia de mesma cor, as participantes usaram saias diferentes.

Encontravam-se no terreiro, além do pessoal da casa, seus familiares e amigos, muitos vizinhos (moradores do bairro - alguns como convidados e outros atraídos pelo movimento da casa). Havia também na assistência pessoas de vários terreiros: da Casa das Minas, do terreiro de Mãe Elzita (membro do INTECAB, como Dona Nenem, muito amiga de Dona Celeste - sua presidente), terreiro de Adelmo (pai-de-santo muito ligado a Santana, que também sentou naquela Bancada para "arreada" de sua "senhora"). Naquela mesma data (véspera da festa de Santa Luzia) realizou-se, na Casa Fanti-Ashanti, o Baião - baile de sanfona, com pandeiro e instrumentos de corda, participado por entidades femininas da linha Cura"/ Pajelança - princesas e caboclas, descrito por nós em outro trabalho (FERRETTI, M.R. 1991 e 1993:359). 
A "senhora" de Dona Nenem é Rainha Dina, também conhecida na Mina por Fina Jóia, esposa de Dom João. Foi ela quem determinou tudo na Bancada, com grande antecedência. Santana, como era de se esperar, sentou com Rainha Madalena. Didi (dançante do terreiro da Turquia, também encostada naquela casa), com Menina do Maracujá, Sulica com Flor de Lys, Concita (guia da casa) com Princesa Flora, Adelmo (pai-de-santo visitante) com Moça Laura, Alice com Borboletinha, uma dançante da casa, com Linda, e duas outras com encantadas cujo nome não chegou ao nosso conhecimento. 
Não sendo filha da casa, observamos apenas a parte pública do ritual, realizada no barracão. À tarde, quando chegamos, os tambores (abatás e mata) estavam no salão, e o altar já estava enfeitado, podendo ser visto entre as santos as imagens de: Santa Luzia, São João e São Sebastião. Encontramos a casa cheia de crianças, cada uma com uma sacola de plástico na mão, prontas para receber os alimentos que lhes seriam ofertados na Bancada. A mesa começou a ser armada depois da nossa chegada. Primeiro o chão foi forrado com esteiras cobertas por toalhas brancas e bordadas. Depois, foram trazidos para o salão, em tabuleiros, bacias, travessas, tigelas e pratos: frutas, batata doce, amendoim, pipoca, bolos, cocada, mariola, balas, chocolates, biscoitos e outros alimentos. Em seguida, foram trazidas para o salão, pelas auxiliares, as garrafas de refrigerante, licor, refresco e de outras bebidas não alcoólicas. Depois de armada, a mesa foi enfeitada com vasos de flores e, em torno dela, foram colocadas cadeiras forradas de renda (para as encantadas) e banquinhos (para as mulheres que iam ajudá-las na distribuição dos alimentos)(5).

As filhas-de-santo receberam as encantadas antes de virem para o barracão, longe dos olhos da assistência. Depois de incorporadas, vieram para uma sala que fica antes dele, onde permaneceram em pé ou sentadas, por algum tempo, quase em silêncio. Em seguida, foram para o salão, onde sentaram em cadeiras que lembravam os tronos que são armados nos terreiros de São Luís, para o Império, na festa do Espírito Santo. Mais da metade destas cadeiras estavam sendo ocupadas ou guardadas por bonecas (geralmente grandes e louras). Observamos que, quando as tobôssas sentaram no "trono", algumas (como Rainha Madalena) colocaram a boneca em pé, ao lado dele e outras ficaram com ela no colo, mas nenhuma brincou com ela. Esta relação, que é idêntica à da Princesa Doralice (Troirinha) e sua boneca, na Cura/ Pajelança da casa de Mãe Elzita, contrasta com a dos erês com sua boneca, no Candomblé da Casa Fanti-Ashanti. 
As tobôssas estavam ricamente vestidas e várias traziam uma manta de miçangas coloridas, no estilo das que eram usadas na Casa das Minas-Jeje pelas tobôssis (entidades femininas infantis - meninas), além do capote de seda ou de renda colocado sobre a blusa em um dos ombros (no estilo das usadas na Casa Fanti-Ashanti pelas princesas no Baião) e que poderia ser um substituto do "pano da Costa", usado no Maranhão na Casa das Minas-Jeje, na festa de pagamento. Para marcar a diferença entre aquela Bancada e a realizada, em maio, para Rainha Madalena, as saias das tobôssas eram de cores diferentes e duas delas tinham saia estampada (Fina Jóia, de Dona Nenem, e Flor de Lys, de Sulica). Adelmo usou calça e túnica de cetim branco e, sobre esta, manta de miçangas verdes. 

No salão, as tobôssas sentaram com suas serventes (moças ou senhoras), próximo aos alimentos que iam distribuir. Na mesa, em frente a cada uma delas, havia um bolo confeitado que, apesar de nunca ser dividido no salão, é sempre colocado na Bancada(6)
A distribuição de alimentos começou pelas crianças, que iam passando, em fila, com suas sacolas, por cada tobôssa. Ao contrário do que ocorre nas festas de Cosme e Damião e do Espírito Santo, a distribuição realizada na Bancada nunca é eqüitativa (umas pessoas sempre recebem muito mais do que outras), o que é considerado normal, uma vez que decorre de preferências das encantadas e não das filhas-de-santo. Cada pessoa deveria entrar na fila só uma vez, mas algumas crianças e adultos entraram mais de uma vez, o que foi objeto de falatório, mas não foi impedido por ninguém. É possível que alguma delas estivesse substituindo pessoas que não se encontravam ali ou que não podiam ir para a fila.

Como estávamos fotografando, vez por outra uma encantada ou um parente das filhas-de-santo que participavam do ritual, nos solicitava uma foto. Terminada a distribuição e retirados da "mesa" os bolos confeitados, as encantadas deixaram o salão e sentaram, com suas bonecas, na sala onde sentaram antes, aguardando o início do "toque". Enquanto isso, suas auxiliares dividiam o bolo confeitado e as lembranças da festa entre pessoas escolhidas pelas encantadas. Observando que três delas não tinham bonecas (a de Adelmo e a de duas dançantes) e indagando sobre o motivo desta diferença, fomos informados por uma pessoa da casa que "só as princesas dançavam com bonecas". Em outra ocasião, Adelmo nos esclareceu que, em sua casa, as tobôssas não levavam boneca para o barracão porque ele "achava feio gente grande com boneca".
Logo que a mesa foi desfeita, uma equipe providenciou a limpeza do local, para que o "toque" pudesse ser iniciado, pois, apesar das "senhoras" gostarem de dançar, nunca ficam incorporadas até "altas horas" da noite.

3.2. Tambor das tobôssas na casa de Santana (12/12/1993)
No dia 12/12/1993, após a Bancada da "senhora" de Dona Nenem, descrita anteriormente, foi realizado um toque de tambor na casa de Santana. O ritual não começou com "Ibarabô", canto de abertura da Mina-nagô para Legba ou Exu, e sim com uma saudação ao terreiro, prática muito adotada em casas abertas por curador:
"Salvar, salvar, terreiro novo de meu pai"

Como de costume, dançou-se as primeiras músicas indo e vindo em direção aos tambores. Depois, o grupo fez uma roda, e, em seguida ficou alternando esses dois movimentos básicos de acordo com a "doutrina" que ia sendo "puxada". Após serem cantadas as "doutrinas" obrigatórias, cada encantada "puxou" pelo menos uma "doutrina" falando de si ou reverenciando os donos da casa ou entidade espiritual de sua família. A dança delas era lenta, desanimada e sem rodadas - muito diferente da apresentada pelas encantadas do Baião que estava sendo realizado, naquele momento, na Casa Fanti-Ashanti (geralmente, caboclas e mais ligadas à linha de Cura/Pajelança). As tobôssas quase não olhavam para a assistência. Apesar de muitas cantarem com "voz de criança mimada", nenhuma veio para o barracão com sua boneca. 
Durante o toque, Rainha Dina tinha as mãos sempre cobertas pelo capote ou enroladas na "pana" - lenço grande de cetim, usado principalmente em terreiros de curadores e no Tambor da Mata (linha de Codó - estilo do interior do Maranhão). Este procedimento foi também por nós observado em 1993, no terreiro de Pai Jorge Itaci, em "toques" para tobôssas. Depois de dançarem por algum tempo, as tobôssas "deram passagem" aos caboclos, que ficaram incorporados nas filhas-de-santo que as receberam até o encerramento do ritual ou até se esvaziar a última garrafa de bebida comprada para a festa (como acontece com Seu Beberrão, "caboclo farrista" de Santana, e com muitos encantados da Turquia). 


4. ENTIDADES ESPIRITUAIS FEMININAS NO TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO: TOBÔSSIS E SENHORAS
A importância das entidades espirituais femininas no Tambor de Mina é uma questão complexa. Sendo em número menor que as masculinas, recebidas com menor frequência e permanecendo "em terra" por menos tempo, parecem ter uma importância menor. No entanto, são recebidas com orgulho pelos "mineiros" e para elas são realizadas obrigações dispendiosas, festas e rituais especiais, que atraem para o terreiro pessoas de todas as idades e muitas crianças. E, na Mina-Jeje, existe um culto especial para entidades femininas infantis, as tobôssis (meninas), que, apesar de ter chamado a atenção de muitos pesquisadores, está longe de ser compreendido(7). 
Mas, se as entidades femininas têm uma presença tão grande na Mina por que são tão ausentes no barracão (espaço ritual onde são realizados os toques de Mina) e por que raramente são "donas da cabeça" ou dos terreiros?!... Observações realizadas em São Luís tem nos levado à conclusão que as entidades espirituais femininas raramente são donas de terreiro ou "da cabeça" dos filhos-de-santo, são minoritárias no barracão, e permanecem "em terra" por menos tempo do que as masculinas, não por serem menos importantes, mas, porque são femininas. 

Indagando certa vez a Pai Euclides, da Casa Fanti-Ashanti, por que o Baião (ritual da linha de Cura/Pajelança para entidades femininas) termina mais cedo do que os toques de Mina e porque as encantadas recebidas nele não vêm com maior frequência, obtivemos a seguinte explicação: "no Baião vêm moças de categoria alta, moça volta cedo para casa e não anda saindo todo dia"... 
Apesar da mulher ter na Mina uma posição muito elevada, a análise de rituais realizados para entidades espirituais femininas recebidas como "senhoras" mostra que a representação da mulher no Tambor de Mina parece não se distanciar muito do estereótipo machista de mulher, expresso claramente nas mensagens do Dia das Mães (segundo domingo de maio, mês de Maria e de muitas festas para tobôssas) que são veiculadas pelos meios de massa. Tal como as mães brasileiras, as entidades espirituais femininas recebidas como "senhoras" são representadas em São Luís como "santas" (recatadas), rainhas (reservadas), maternais e domésticas, no que parecem imitar a "Virgem Maria", mãe de Jesus.
Na sociedade brasileira, embora a mulher seja quase sempre submissa ao homem (que assume a maioria das posições de comando), é, freqüentemente, apresentada como rainha (do lar), tendo a casa como o seu verdadeiro espaço de atuação - daí a denominação "rainha do lar". Apesar desta ideologia não encontrar grande fundamento na realidade dos terreiros de Mina - chefiados principalmente por mulheres - parece influenciar a concepção de entidades espirituais femininas, fazendo com que elas se apresentem ali como subordinadas às masculinas e permaneçam "em terra" por menos tempo que aquelas.
Na Mina a figura das entidades femininas parece também associada à fertilidade, como a das Iamí Oxorongá africanas, daí porque, fora das centenárias casas das Minas-Jeje e de Nagô, o ritual da Bancada (onde há abundância de alimentos e grande número de crianças) é sempre realizado como uma obrigação de tobôssa (senhora). A distribuição não eqüitativa de alimentos na Bancada, em contraste com a realizada nos terreiros nas festas de Cosme e Damião e do Divino Espírito Santo (do catolicismo popular), aponta para as matrizes não cristãs da representação feminina no Tambor de Mina. Mas, se tem poder sobre a fertilidade, tal como as Iamí Oxorongá (AUGRÁS, 1989), não são temidas ou representadas como terríveis, embora, quando distribuem alimentos, possam dar muito a uns e quase nada a outros.
A análise da Bancada e do Tambor de Tobôssa realizados fora das Casas das Minas-Jeje e de Nagô, chama atenção ainda para outros aspectos da representação da mulher no Tambor de Mina. Naqueles rituais as "senhoras" aparecem, freqüentemente, com bonecas e, não raramente, exibem um comportamento infantil. Sem querer negar a existência desse traço nos estereótipos de mulher da sociedade brasileira, gostaríamos de chamar atenção para a associação havida na Mina entre as tobôssis da Casa das Minas-Jeje (meninas) e as entidades recebidas como "senhora" em outros terreiros. Não é por acaso que estas são, genericamente, denominadas tobôssas e que usam, freqüentemente, a tradicional manta de miçangas das tobôssis da Casa das Minas(8) ... 
O estereótipo de mulher como frágil, dominada e imatura (chorona e manhosa como uma criança mimada), encontrado em muitos domínios da cultura brasileira, deve ter contribuído para que a fusão senhora-menina fosse realizada na Mina quase sem crítica. Fora da reação de Pai Adelmo: "lá em casa tobôssa não sai com boneca porque acho feio gente grande com boneca", não encontramos ninguém questionando os traços infantis apresentados pelas tobôssas (senhoras) nos rituais observados. Mas o comportamento infantil das entidades femininas recebidas na Mina como "senhora" torna-se mais compreensível quando se considera a influência exercida pela Mina-Jeje no Tambor de Mina do Maranhão e a impressão deixada pelas tobôssis da Casa das Minas-Jeje no meio religioso afro-maranhense(9).

A boneca, que aparece na Bancada e às vezes também no Tambor de tobôssa, embora possa ser considerada um brinquedo de menina, parece ser ali um símbolo de feminilidade (daí porque as tobôssas não brincam com ela). Nos pejis cubanos ela é também encontrada com saias longas e rodadas cobrindo as jarras de orixás femininos (negras, nas de Iemanjá e louras ou mulatas, nas de Oxum). Nos terreiros de São Luís, a boneca aparece também como símbolo de nobreza, tanto na Mina, como na Cura/Pajelança, o que nos foi explicado por uma senhora no terreiro de Santana: "princesa dança com boneca"... 
Como já foi mencionado, na Bancada as tobôssas recebem um tratamento principesco e são apresentadas nos toques realizados para elas como nobres - com vestimentas caras e especiais, comportamento reservado, sem se misturar com a assistência - bem diferentes das caboclas, que gostam de cumprimentar a assistência, de dar rodadas no salão e de permanecer "em terra" após os rituais (as vezes para beber e animar a festa com suas brincadeiras). Na Mina-Jeje as tobôssis são comandadas por Nochê Naê (a grande mãe) - vodum da família real que não incorpora - e são tratadas ali como princesas(10) .
Embora haja pontos em comum entre as tobôssas (senhoras) e as tobôssis (meninas), é preciso não esquecer que na Casa das Minas-Jeje as tobôssis não se confundem com voduns femininos, nem mesmo quando esses são toqüenos (adolescentes) ou desempenham funções análogas às deles. Nunca são recebidas como "senhoras" (donas da cabeça) como são, por exemplo, Abê e Nochê Decé (voduns femininos adulto e toqüeno), daí porque não participam dos toques. São meninas, "sinhazinhas", recebidas apenas nas festas e obrigações maiores, tanto pelas vodunsis-gonjai que tinham vodum masculino ("senhor") como pelas que tinham vodum feminino ("senhora"). E são consideradas mais puras e mais próximas às pessoas do que os voduns (comem, dormem, tomam banho, têm medo de mascarado). Já as tobôssas recebidas em outros terreiros vêm sempre como "senhoras" (donas da cabeça ou ajuntó). Na Mina-Jeje os voduns femininos são recebidos em todos os rituais e permanecem "em terra" por tanto tempo quanto os voduns masculinos, mesmo quando pertencem à família real e são toqüenos (adolescentes).
As tobôssis Mina-Jeje parece que também não se confundem com as meninas recebidas hoje na Casa de Nagô. Além de se afirmar na Casa das Minas-Jeje que tobôssis (meninas) só existem na Mina-Jeje, antes da Bancada de 1994, ouvimos de Dona Lúcia (atual chefe da casa) a seguinte explicação: "nós aqui não temos tobôssi, tobôssi é lá em cima, em jeje, nós temos é menina"... E ainda, observações do comportamento das entidades femininas, em rituais atualmente realizados na Casa de Nagô, têm demonstrado que elas se aproximam mais das "tobôssas" de outros terreiros do que das "tobôssis" da Casa das Minas. Na Casa de Nagô as entidades femininas (adultas e meninas) participam de rituais com as entidades masculinas (Bancada, toque) e são, geralmente, recebidas como "senhora" (donas da cabeça ou ajuntó)(11) . 
Existe ainda uma característica apresentada pelas "senhoras" no Tambor de Tobôssa que não foi aqui analisada: as tobôssas dançam, geralmente, com as mãos encobertas. Como na Bancada as "senhoras" são tratadas como a nobreza na Festa do Divino Espírito Santo (sentam em cadeiras cobertas por rendas, têm roupas luxuosas, etc) e nesta festa a nobreza usa luvas, cobrir as mãos pode ser mais um símbolo de nobreza. Mas, as tobôssas com suas mãos encobertas, lembram também imagens da Virgem Maria com seu manto nas mãos. A identificação das "senhoras" da Mina com a Nossa Senhora do catolicismo, religião também professada pelo pessoal dos terreiros de São Luís, que já foi lembrada, pode também explicar o comportamento recatado e reservado daquelas encantadas, em contraste com o das caboclas (menos identificadas com a Mãe de Jesus e com as santas católicas do que as "senhoras"). 

5. CONCLUSÃO

A representação da mulher no Tambor de Mina é influenciada pela ideologia dominante (machismo, catolicismo) mas não pode ser reduzida a ela. Muitos traços das entidades espirituais do Tambor de Mina só podem ser bem interpretados levando-se em conta sua origem africana e peculiaridades do campo religioso afro-maranhense (influências das Casas das Minas e de Nagô, etc.). Assim, reproduz, em parte, a ideologia dominante na sociedade brasileira, mas apresenta aspectos que só podem ser bem interpretados conhecendo-se o contexto específico em que foi produzida. 
GRAMSCI (1978), em Literatura e Vida Nacional, chama atenção para a heterogeneidade do momento histórico e para a existência na mesma época e na mesma sociedade de obras que refletem as concepções dominantes e outras a realidade vivida por grupos não hegemônicos. No caso brasileiro, o negro, além de constituir um desses segmentos não hegemônicos, tem tradições culturais próprias e estas tradições são encontradas de forma bastante viva nos terreiros de religião afro-brasileira. Por conseguinte, não se pode estranhar que representações da mulher no Tambor de Mina de São Luís reproduzam a ideologia dominante mas reflitam também outras formas de relações sociais, outros valores e visões de mundo. 
Ao mesmo tempo que o culto às tobôssis e tobôssas tem a ver com o matriarcado da Mina, revela o machismo dominante na sociedade brasileira e tão forte no Maranhão. Assim, na Mina, as entidades espirituais femininas são objeto de um culto especial, dispendioso, mas aquelas entidades são recebidas por um número menor de médiuns, vêm poucas vezes por ano e, fora da Mina-Jeje, permanecem "em terra" por pouco tempo. Isto significa que, em última análise, elas deixam o campo livre para a atuação das entidades masculinas. Embora não se possa dizer que na Casa das Minas-Jeje as tobôssis estão acima dos voduns toqüenos (adolescentes) e que as tobôssas são superiores às entidades espirituais masculinas, recebidas como senhores em outros terreiros, há mais exigências para que elas sejam recebidas. Elas, geralmente, só vêm em quem tem grau iniciático elevado e nas festas e obrigações maiores ou mais "finas". Contudo, estão, geralmente, abaixo das entidades masculinas - que são maioritárias como chefes espirituais de terreiro e como "donos da cabeça" dos mineiros. 
A importância da mulher no Tambor de Mina como mãe de terreiro e filha-de-santo associada à grande impressão causada pelas tobôssis da Casa das Minas-Jeje podem ser apontadas entre os fatores responsáveis pelo orgulho dos "mineiros" pelas suas "senhoras", pela existência nos terreiros de São Luís de rituais especiais para elas e pelo esmero com que esses rituais são realizados. Mas a representação da mulher no Tambor de Mina, embora apresente muitos traços em comum, varia de casa para casa. É de se esperar que apresente diferenças significativas quando se compara casas dirigidas por mulher com casas dirigidas por homens, terreiros de Mina apegados aos modelos das Casas das Minas e de Nagô com terreiros de Mina de caboclo, terreiros que se definem como Umbanda e terreiros de Mina que introduziram o Candomblé. 
Nas representações aqui analisadas, as entidades espirituais femininas, recebidas como "senhoras" na Mina maranhense, aproximam-se da Iemanjá e distanciam-se da Pomba Gira da Umbanda (AUGRÁS, 1989) e correspondem à mulher onírica (que se opõe à "piranha"), encontrada por BERLINK (1976) em análise de letras de samba: frágil, graciosa, desligada, "diferente da mulher que se tem". Com efeito, enquanto na Mina-Jeje as tobôssis são consideradas mais puras do que os voduns, as mulheres são vistas como mais sujeitas a impurezas do que os homens, pois, além do contato com a morte e da atividade sexual (que torna o "corpo sujo"), são contaminadas pelo sangue menstrual e pelo parto.

Na representação de entidades espirituais caboclas ou não recebidas como "senhora" ("dona da cabeça" ou ajuntó) estes modelos se apresentam em graus diferentes e combinados, permitindo a distinção de um número maior de modelos femininos. 


A MULHER NO TAMBOR DE MINA (*)
sábado, junho 24, 2006
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti (**)
Análise da posição e representação da mulher e das entidades espirituais femininas no Tambor de Mina do Maranhão.